A ESPIRITUALIDADE NO ISLAM
Intervenção efectuada na conferência “Utopia e Espiritualidade” que se realizou no passado dia 18 de Outubro de 2008, na Faculdade de Letras do Porto.
MINHAS SENHORAS, MEUS SENHORES,
ASSALAMO ALEIKUM
Esta é a saudação dos muçulmanos, que significa – QUE A PAZ DE DEUS ESTEJA CONVOSCO. O Profeta Muhammad (Que a Paz e as bênçãos de Deus estejam com ele), recomendou-nos para utilizarmos esta expressão, a fim de saudarmos os nossos irmãos de fé e não só. Recomendou-nos também para saudarmos tantas vezes quantas as que encontrarmos com o mesmo irmão ou irmã, no mesmo dia. É uma forma de aumentarmos a harmonia e a amizade entre nós.
Quando Deus, o Altíssimo, criou Adão, que a Paz de Deus esteja com ele, disse-lhe: “Dirigi-te aos anjos que estão sentados acolá e atenta para o modo como te vão saudar, pois será também o modo de saudares a tua descendência”. Adão se aproximou dos anjos e disse: “A Paz esteja convosco!”. E eles responderam: “A Paz e a Misericórdia de Deus estejam contigo!”.
O significado desta belíssima manifestação de harmonia e de irmandade, foi desvirtuada e deu origem no nosso país, ao termo “Salamaleque”, cujo significado é a mesura exagerada, fazer reverências a fim de se conseguir o que se deseja, ou saudação interesseira. É por isso que em Portugal se diz “deixa de salamaleques”, quando alguém exagera nas palavras interesseiras.
SALAM, um dos 99 atributos de Deus, cujo significado é PAZ, deu origem ao nome da religião Islâmica. Significa também a submissão a um só Deus, viver em paz com o Criador, viver em paz consigo mesmo, viver em paz com outras pessoas e viver em paz com o ambiente.
Somos Muçulmanos, porque seguimos a religião Islâmica. Erradamente em algumas ocasiões, somos chamados de Mahometanos. Só adoramos a Deus, o Criador, o Verdadeiro, o Clemente, o Omnipotente, o Misericordioso. Acreditamos em todos os Profetas e Mensageiros que vieram ao mundo trazer a mesma mensagem de Deus, e que foi transmitida aos nossos antepassados. Acreditamos, nomeadamente, em Noé, Abrão, Ismael, Isaac, Jacob, Moisés, David, Salomão, Jesus e Muhammad (Que a Paz de Deus esteja com eles). Não adoramos santos nem profetas. Os Muçulmanos pedem a Deus para que eleve o grau de cada um, de acordo com o esforço individual desenvolvido, na divulgação da Sua palavra.
O Islão é a única religião monoteísta que continua diariamente a conquistar crentes. Com um crescimento galopante, passou de 500 milhões de crentes há poucas décadas atrás, para cerca de 1,3 mil milhões de seguidores. Está actualmente representado em todo o mundo. A Umma (Comunidade dos crentes), está em todo o planeta. Na Europa, os estudos mais recentes apontam que nos próximos 50 anos, será a religião maioritária.
Os orientais olham para os ocidentais com surpresa e indignação, pois não compreendem como é possível viver, sem religião, sem recordação do Deus Criador, o que para eles é uma verdadeira monstruosidade. Um oriental tem a organização social assente sobre princípios tradicionais. Para um muçulmano, por exemplo, toda a sua vida está orientada pelo Alcorão e pela Sunnat do Profeta.
A manifestação da fé Islâmica, está contida no “Chahâdah” – duplo testemunho da fé.
O primeiro testemunho da fé “LA ILAHA – ILLA LLAH“. Esta manifestação da fé, compõe-se primeiro por uma negação, LA ILAHA “NÃO HÁ OUTRA DIVINDADE“; e depois a confirmação ILLA LLAH “SENÃO A (ÚNICA) DIVINDADE“. “LA ILAHA ILLA LLAH– “NÃO HÁ OUTRA DIVINDADE, SENÃO A (ÚNICA) DIVINDADE.
No segundo testemunho, o crente confirma que “MUHAMMAD É O ULTIMO RASSUL (MENSAGEIRO) DE DEUS”.
A FÉ VERDADEIRA EM DEUS E NA VIDA DEPOIS DA MORTE, é um verdadeiro bálsamo para as atribulações da nossa vida. É também um analgésico contra a dor e contra o sofrimento.
Depois de Interiorizado a importância do duplo testemunho, primeiro e principal pilar da fé Islâmica, o muçulmano está apto a cumprir com os restantes 4 pilares: A oração (Salat); O Jejum (Ramadan); A Contribuição da Purificação (Zakat) e a peregrinação a Meca (Haje).
A oração é o contacto com o Senhor, o jejum é a renúncia aos desejos mundanos; a Zakat é a repartição da riqueza; a peregrinação é a visita à casa de Deus.
Deus diz no Alcorão “Na verdade, a oração impede o homem de cometer o que é vergonhoso e reprovável; e certamente a recordação de Deus é Maior (29:45). O Muezin chama os crentes: “Venham para a Oração; Venham para a Felicidade…Não há outra Divindade senão Deus…”. O Muçulmano, cinco vezes por dia, descalça-se e vira-se para Meca, e inicia a sua oração, com “ALLAHU AKBAR” – DEUS É O MAIOR”. Desliga-se do mundo e dos problemas que o rodeia. A seguir invoca o nome do seu Senhor, louvando a Deus, Senhor dos mundos, o Beneficente, o Misericordioso, dono do dia do julgamento final e pedindo que lhe mostre o caminho recto e não o caminho daqueles que se perderam. Depois humildemente, prostra-se e exalta toda a glória para o Senhor, o Altíssimo. Na posição de sentado, pede a Deus para que derrame Misericórdia sobre Muhammad e sua família, como Ele derramou as mesmas bênçãos sobre Ibrahim (Abraão) e sua família. No final, vira a face para a direita e depois para a esquerda, pedindo “A Paz e a Misericórdia de Deus, para os oradores.
O Islão, é a religião onde está claramente marcada a distinção entre duas partes complementares entre si, designadas por exoterismo e esoterismo. Para exprimir o seu carácter exterior e interior, muitas vezes comparámos à casca e ao caroço. O Chari’ah, A Lei Divina, que em linguagem ocidental se designaria por religioso, contém os aspectos sociais e religiosos que regem a vida dos muçulmanos. Mas para atingir o “haqiqah“, o puro conhecimento, é necessário percorrer-se um conjunto de meios designados por “tariqah” (vias), para se obter a perfeição. Por isso se diz que “AS VIAS PARA DEUS SÃO TÃO NUMEROSAS COMO AS ALMAS DOS HOMENS”. Não há oração sem o conhecimento e não há o cumprimento da religião sem o conhecimento. O Profeta referiu que “Procurai o conhecimento, nem que tenhais de se deslocar à China”.
Este esoterismo, compreendendo o “tariqah” (vias) e o “haqiqah” (o conhecimento), é designado em árabe pelo termo “AT-TAÇAWWUF“, cuja tradução é iniciação, é a expressão da dimensão espiritual do Islão. No ocidente, o esoterismo Islâmico é designado por “SUFISMO”.
O Sufismo é a prática, mas quando o sufismo atinge a perfeição, tem apenas Deus e qualquer coisa fora de Deus não existe. A prática do sufismo é inseparável da Revelação (palavra de Deus) e a pessoa do Profeta Muhammad (Que a Paz e as bênçãos de Deus estejam com ele). O Sufismo não existiria sem estes dois elementos. Com efeito, o Profeta sempre representou para o Muçulmano, o modelo por excelência. É a manifestação da ordem cósmica e espiritual. Quando se perguntou à sua esposa Aisha (Que Deus esteja satisfeita com ela), qual era a natureza do Profeta, ela respondeu: “A sua natureza era o Alcorão”. Ao Profeta, é por conseguinte inseparável dos dois aspectos exterior e interior do Islão.
Para os Sufis, a origem histórica da sua religiosidade, pode ser encontrada nas práticas meditativas do Profeta Muhammad (Que a Paz e as bênçãos de Deus estejam com ele). Ele tinha por hábito refugiar-se nas cavernas das montanhas de Meca, onde se dedicava à meditação e ao jejum. Durante um desses retiros, o Profeta recebeu a visita do Anjo Gabriel, que lhe comunicou a primeira revelação da palavra de Deus.
A oração do muçulmano, é outro exemplo dos dois aspectos inseparáveis. A exterior, como por exemplo a prostração, é o momento em que o servo coloca a sua testa no chão, em sinal de humildade para com Deus. A interior, é o momento em que o crente está com Deus e dialoga com Ele. Não existem barreiras nem intermediários. O diálogo é directo com o Criador. Ele é o único merecedor da nossa adoração. Para confirmar esta UNICIDADE DIVINA, refere o Alcorão. “Diz: Minhas orações, minhas devoções, minha vida e a minha morte pertencem a Deus, Senhor do Universo, que não possui parceiro algum…” (6.162). O nome Allah é a quinta-essência da oração, tal como é a quinta-essência do Alcorão. Em diversas passagens, o Alcorão recomenda os fiéis que O invoquem e repitam com frequência o Seu Nome. Também o Profeta disse: “Recordem-se do vosso Senhor”. A da prática regular do “DHIKR” (recordação de Deus), conduz à espiritualidade suprema. Toda a doutrina do Dhikr ressalta desta palavras do Alcorão “LEMBRAI-VOS DE MIM (ALLAH) E EU LEMBRAR-ME-EI DE VÓS”.
Para compreender melhor o Sufismo, há um célebre Hadice do Profeta que Deus lhe transmitiu o seguinte: “O Meu servidor busca sem cessar aproximar-se de Mim através de actos devocionais realizados para além do que é obrigatório, até que Eu o ame; e quando o amo, sou o Ouvido pelo qual ele ouve, a Vista pela qual ele vê, a Mão com a qual ele combate e o Pé com o qual caminha”.
Ainda segundo o Profeta, Deus disse: “EU ERA UM TESOURO ESCONDIDO E DESEJEI SER CONHECIDO. CRIEI A CRIAÇÃO PARA QUE EU FOSSE CONHECIDO“.
E disse também o Profeta: “SE CONHECERDES DEUS, TAL COMO ELE DEVE SER CONHECIDO, ANDAREIS NOS MARES E AS MONTANHAS MOVER-SE-ÃO PELA TUA CHAMADA.”
O Sufismo é também uma educação. Permite conhecer-se e dominar o seu “Ego”. Abandonando o seu “Ego” o Sufi afasta-se do exagero e da ilusão e aproxima-se da verdade e purifica o seu coração de tudo o que é estranho a Deus. É ESTAR NO MUNDO, MAS NÃO SER DELE.
Os primeiros Sufis Muçulmanos, cuja época começou a partir do Profeta Muhammad (Que a Paz e bênçãos de Deus estejam com ele) e termina na primeira metade do século IX, dependiam do Alcorão e do Hadice. Seguiam a vida do sagrado Profeta.
Os primeiros Sufis não conheciam o Panteísmo. O Panteísmo corresponde ao segundo período do movimento e que começou a partir da translação da filosofia Grega, Persa e Indiana. O fundador foi DHUN-NUN-AL MISRI.
A última etapa do Sufismo é: FANA UL FANA, isto é a anulação de nós próprios, para atingirmos Deus.
Para se atingir essa Posição, o Sufi deverá percorrer 7 etapas:
1 – O ARREPENDIMENTO: Nesta etapa, ele procura entender a criação do homem. O que é o homem? Deus criou o homem da terra e colocou nele a alma. Portanto a alma é divina. A terra é o elemento mais baixo e a alma o elemento mais alto. A terra empurra-nos para a vida material. A alma puxa-nos para a vida espiritual. A religião é a única via que nos leva para essa vida espiritual.
2 – A segunda etapa é a PACIÊNCIA. Com paciência, o Sufi sente alegria e prazer. Deus diz no Alcorão: “E sê paciente, mas a paciência apenas é possível com a ajuda de Deus…”.
3 – A GRATITUDE (SHUKR). É agradecer a Deus por ter atingido esta fase. Desta maneira ele aprende como agradecer a Deus.
4 – A etapa da ESPERANÇA. Tudo é dádiva de Deus e obtém a esperança de que Deus o está a proteger, então o coração passa a ter a certeza de que está com Deus.
5 – Etapa da POBREZA E DA RENUNCIA. Nesta fase o Sufi abandona o desejo material, o sexo. Abandona o Eu e goza a vida espiritual.
6 – ETAPA DO AMOR. O sufi deve amar a Deus no seu coração e sente um amor absoluto de Deus.
7 – A última etapa, a mais elevada é a da visão de DEUS (FANÁ UL FANÁ).
Algumas passagens de Sufis muçulmanos.
Começarei com um Hadice Qudsi, isto é um dito transmitido por Deus ao Profeta, e que foi seguido por muitos Sufis:
“Eu sou tal como o Meu servidor espera que Eu seja. Estou com ele quando ele Me recorda. Se ele Me menciona perante si próprio, Eu menciono-o perante Mim próprio: e se ele Me menciona numa assembleia, Eu menciono-o numa assembleia melhor. E se ele se aproxima de Mim um palmo, Eu aproximo-Me dele um cúbito. E se ele se aproxima de Mim um cúbito, Eu aproximo-Me dele um passo. E se ele caminha para Mim, eu corro para ele”.
SANAI, UM SUFI, FOI UM DOS PRIMEIROS POETAS SUFIS DO IRÃO: O QUE VOU LER, É UMA PARTE DA SUA OBRA CONHECIDA: “HADIQAT AL-HAQIQA”.
“A razão levou-nos até à porta, mas foi a Sua presença que nos deixou entrar.
Mas como poderás alguma vez conhecê-Lo, enquanto fores incapaz de conhecer-te a ti mesmo?
O lugar, Ele próprio não tem lugar; como poderia haver lugar para o Criador do lugar? Ele disse: “Eu era um tesouro oculto, a criação foi criada para que pudésseis conhecer-Me”.
…Só é longo o caminho porque te demoras em empreendê-lo: um único passo te levaria até Ele…o caminho para o Amigo não está longe de ti: tu mesmo és o caminho: então põe-te em marcha por ele.
A morte da alma é a destruição da vida, mas a morte da vida é a salvação da alma”.
Uma passagem de RUMI, no seu livro “Le Livre du Dedans”. De nome completo, Djalal Ud-Din Rumi, foi o maior poeta sufi de lingua persa (1207/1273):
“Quando é que a religião foi única? Sempre houve duas ou três e a guerra e as querelas existiram entre elas. Como podeis vós tornar uma só, todas as religiões? Elas tornar-se-ão uma no Dia do Julgamento, mas aqui em baixo é impossível, pois cada um tem finalidade e desejos diferentes. É impossível existir aqui uma religião única, salvo no Dia do Julgamento, em que todos se tornarão um, se voltarão para uma só direcção e terão a mesma língua e o mesmo ouvido…”
Para terminar a minha intervenção, agradeço aos presentes pela paciência que tiveram em ouvir-me. Agradeço também a oportunidade que me dada para vir falar da Espiritualidade no Islão e dos fundamentos da religião que actualmente suscita um misto de curiosidade e de receio. O conhecimento mútuo é um grande passo para uma coexistência pacífica.
Ao Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, ao Centro Interuniversitário de História da Espiritualidade e à Fundação Esperança, os meus sinceros votos da continuação de um bom trabalho, nas nobres vias que se propuseram percorrer.
WA SALAM!
Abdul Rehman Mangá