027.01 – A DOR, O SOFRIMENTO E A PACIÊNCIA
Para os que sofreram e já partiram. Para os que ainda sofrem, pacientemente, aguardando a recompensa do Senhor, o Perdoador. Que o sofrimento não seja em vão e que o nosso Criador, o Misericordioso, alivie os fardos das vossas falhas, com os quais se vão apresentar no Dia da Ressurreição!
Desde os primeiros tempos da humanidade, a dor e o sofrimento, continuam a ser uma das grandes preocupações. O homem sempre se preocupou em esclarecer os motivos que provocam a ocorrência da dor e os procedimentos destinados ao seu controlo e erradicação. Nos tempos actuais, os sintomas da dor continuam a ser preocupantes, nomeadamente devido à maior longevidade do ser humano. Os avanços da ciência e da medicina, permitem curar, atenuar ou controlar muitas doenças, que nos tempos anteriores, seriam fatais. Hoje é habitual os doentes com graves problemas clínicos, verem as suas vidas prolongadas. Quando atingimos uma idade avançada, acabamos por necessitar de mais apoios clínicos e a dor passa a ser a nossa companheira. O aumento da esperança de vida e as condições da vida moderna, criaram outros problemas. A dor junta-se ao isolamento, originando um sofrimento ainda mais doloroso. A dor é incómoda para os doentes, para as famílias e um fardo para as finanças dos países.
O sofrimento é uma emoção negativa, causada por qualquer situação adversa ao nosso sistema nervoso, conduzindo a um desgaste, infelicidade, cansaço e esgotamento. A dor é uma sensação desagradável, sensorial e emocional, associada a uma lesão externa ou interna. A dor prolongada, conduz ao sofrimento. Na vida existe o bem e o mal, a felicidade e a separação, a riqueza e a pobreza. Duas situações antagónicas que se revezam. Hoje há saúde, mas amanhã a doença poderá ser a nossa companheira. São duas faces da mesma moeda. Quando somos confrontados com o lado mau, procuramos ultrapassar o “imprevisto”, melhorando a nossa auto defesa e fortalecendo a nossa fé. Os que são confrontados com alguma adversidade, dizem: “INNA LLILAHI WUA INNA ILEIHI RÁJIUNA” – “PROVIEMOS DE DEUS E PARA ELE RETORNAREMOS.” Surat Al Baqarah – 156. Allah Subhanahu Wataala refere no versículo a seguir, que “esses são os que vão receber as bênçãos e a misericórdia do seu Senhor”.
Anas (Radiyalahu an-hu), referiu que o Profeta (Salalahu Aleihi Wassalam) disse: “a verdadeira paciência está no primeiro momento após uma calamidade”. Bukhari 23:389. “Na verdade, com as dificuldades, há um alívio”. Cur’ane 94:5. Na nossa condição de humanos, somos fracos, choramos e lamentamos sempre a nossa sorte, esquecendo que outros se encontram em piores situações. Um pequeno e grande exemplo: a água é essencial para a vida e muitos de nós temos acesso a este bem precioso. Já imaginámos os que percorrem diariamente dezenas de quilómetros para se abastecerem de água, muitas vezes sem condições adequadas para o consumo? O crente não deve perder a esperança porque Deus é Misericordioso. Depois duma aflição, vem a facilidade.
O nosso sofrimento pode abrir as nossas mentes para auxiliarmos outros que padecem do mesmo mal. Abu Huraira (Radiyalahu an-hu) referiu que o Profeta Muhammad (Salalahu Aleihi Wassalam) contou a passagem de um homem que estava a caminhar pela estrada e que ficou com muita sede. Então ele deparou-se com um poço e desceu nele e bebeu água. Ao sair do poço, viu um cão ofegante e lambendo a lama, devido à sede excessiva. Então ele disse para si mesmo. “O cão está sedento tal como eu estava”. Então ele desceu ao poço e encheu o seu sapato com água e deu de beber ao cão. Por este facto, Allah, o Perdoador e o Misericordioso, o perdoou. As pessoas perguntaram: “Ó Profeta de Allah! Existe alguma recompensa para nós, por servirmos os animais?”. Ele respondeu: “Sim, há uma recompensa em servir qualquer ser vivo”. Bukhari 73:38. E ainda referiu o Profeta (Salalahu Aleihi Wassalam: “Aquele que alivia o sofrimento do seu irmão, Allah o aliviará dos sofrimentos do Dia da Ressurreição. Aquele que encobre as falhas do seu irmão, Deus também irá esconder os seus defeitos na altura da Prestação de Contas”. Muslim.
A saúde, o bem-estar, as boas condições da vida e todas as benesses que vamos tendo ao longo das nossas vidas, são favores concedidos por Allah. Mas todas estas dádivas não nos podem fazer esquecer de agradecer ao nosso Criador e Sustentador, dizendo: Alhamdulillah! (Louvado seja Allah). Só nos lembramos destas dádivas quando algo nos é retirado, por exemplo, um ente querido que nos deixa, ou a saúde que deixa de ser a nossa companheira. O mais certo é que, mais cedo ou mais tarde, todos seremos testados. “Certamente que vos experimentaremos mediante o temor, a fome, a perda de bens, de vidas e de frutos…” Cur’ane 2:155. É quando acordamos e levantamos as mãos para Allah, o Criador e o Protector! São chamadas de atenção para nos fazerem recordar de que os nossos bens, a saúde, os nossos filhos e restantes entes queridos, são presentes que devem ser apreciados e considerados como passageiros. Allah Subhanahu Wataala com a sua infinita Misericórdia acorda-nos para a realidade: “tudo que existe na terra e nos céus, a Allah pertence e para Ele será o nosso retorno”. Mesmos com estes sinais, que muitas vezes são enviados com regularidade, de nada nos servem se estivermos com os olhos e os ouvidos tapados. Não perceberemos a mensagem. Se o sofrimento não mudar a nossa atitude e daí não tirarmos nenhuma ilação, então de nada nos vale um longo e penoso sofrimento.
O exemplo daquele afortunado que vivia lado a lado com um vizinho muito carenciado. Deus lhe deu uma grande parte da sua vida sem preocupações, embriagado com os seus bens terrenos e escravizado na luxúria. Não agradecia a Allah pelos bens (passageiros) concedidos. Não se preocupava com o vizinho, quando este passava por momentos de grande aflição. Mas o vizinho que dividia o pouco que tinha com os outros necessitados, no mês de Ramadan pediu à mulher para preparar uma comida especial para o iftar e foi entregar ao vizinho abastado. Mas este por desdém, entregou a oferta ao empregado. Esqueceu-se por completo de quando era mais novo, ouviu dos seus pais e dos professores, de que os companheiros do Profeta (Salalahu Aleihi Wassalam) ouviam o Mensageiro de Deus a enumerar e a repetir os direitos dos vizinhos, de tal maneira que ficaram preocupados de que os vizinhos, passariam também a ser os seus herdeiros. Allah enviou diversos sinais, primeiro enfraquecendo a saúde da esposa e do seu filho. Gastou tudo o que tinha para ver a família de novo com saúde, pois ansiava continuar a gozar os prazeres da vida. Mesmo com eles agonizando, não se voltou para Deus. Acabou por perder a esposa o filho e a fortuna se desvaneceu. Por algum tempo foi aumentando o seu rancor, culpando a Allah pelo infortúnio. Um dia, cansado, sem posses e sem saúde, perdeu o orgulho e foi pedir ajuda ao vizinho, que apesar de necessitado, o acolheu de braços abertos. Com o tempo, a amizade cresceu entre eles e contagiado com esta atitude de benevolência, levantou as mãos, agradeceu e pediu a Allah para conceder o Paraíso àquele que lhe abriu os olhos para a realidade. Assim, ao recorrer a Allah, O encontrou Omniouvinte, Recompensador e Misericordioso.
Entendemos como natural, a dor que sentimos quando acompanhamos o funeral dos nossos pais. Mas o sofrimento da perda dos filhos é bem maior. Chorar e derramar lágrimas por eles, não é nenhuma fraqueza. Mas as lágrimas devem ser acompanhadas da paciência e da convicção de que nada nos pertence. Anas Bin Malik (Radiyalahu an-hu) relatou: “Fomos com o Apóstolo de Deus (Salalahu Aleihi Wassalam), ao ferreiro Abu Saif, que era o marido da ama de Ibrahim (o filho do Profeta). O Profeta tomou nas suas mãos o pequeno Ibrahim e beijou-o e cheirou-o. Ibrahim estava nos seus últimos suspiros. Os olhos do Profeta começaram a derramar lágrimas. Abdur Rahman Bin Awf disse “Ó Apostolo de Allah, você está chorando?”. Ele respondeu: “Sim Ó ibn Auf, isto é a misericórdia!” Então ele chorou mais e disse: “Os olhos estão derramando lágrimas e o coração está triste e não vamos dizer mais, excepto o que agrada a Deus, nosso Senhor: Ó Ibrahim! Na verdade, estamos tristes por causa da tua separação”. Bukhari. Se não encontrarmos alívio em Allah, a dor será mais intensa e o sofrimento poderá conduzir-nos ao esgotamento e à descrença. Haverá mais alguma outra solução para reavermos o nosso filho, a não ser termos paciência, a serenidade e orarmos por ele? Quem tentar ser paciente, Allah lhe irá dar a paciência e não há melhor prenda do nosso Criador, do que a paciência (Maliks Muwatta). A paciência é um dos melhores atributos de um ser humano e a paciência só pode conduzir ao Paraíso. Abu Huraira (Radiyalahu an-hu) referiu que o Profeta (Salalahu Aleihi Wassalam) transmitiu: “Deus louvado seja, disse: “Não tenho outra recompensa que não seja o próprio paraíso para o Meu servo crente, que quando tomo o seu ente querido nesta vida, ele aceita com resignação, em busca da Minha recompensa”. Bukhari.
Os que não têm fé em Allah, não têm capacidade para suportar as dores mais agudas. Enquanto o corpo sofre, não encontram a paz e a tranquilidade do espírito. Andam revoltados, culpam tudo e todos pelos seus males. Outros, para se refugiarem do sofrimento, acabam por se suicidar. Jundub (Radiyalahu an-hu) referiu que Muhammad (Salalahu Aleihi Wassalam) contou: Entre as nações, antes de vós, havia um homem que tinha uma ferida e que ficava cada vez mais impaciente por causa da dor. Ele pegou numa faca e cortou a mão. Por causa disso, o sangue não parou de sair, até que morreu. Deus disse: “Meu servo se apressou para trazer a morte a ele próprio e Eu, o proibi de entrar no Paraíso”. Bukhary 56:669. O Isslam recomenda a resistência ao sofrimento com esperança e fé em Allah. Mas o Isslam também recomenda a procura do conhecimento e dos meios necessários para a cura das doenças, causadoras da dor e do sofrimento.
Outros sofrimentos conduzem ao desespero, provocando graves distorções psicológicas. Os que assim sofrem podem perder por completo a razão. Porque não estão em seu pleno juízo, acabam por recorrer ao suicídio. Os que se encontram nesta situação, não têm consciência dos seus actos. Está fora do nosso alcance, condenarmos ou percebermos a atitude que tomaram. Só Allah é o conhecedor de tudo o que vai nas mentes de cada um. E só Ele é que sabe distinguir se o suicídio foi cometido dentro das capacidades da razão, ou se a pessoa já não sabia o que fazia. O que é certo, Allah é o nosso Criador e Ele é Misericordioso.
Um dos aspectos que o Isslam nos ensina, é de que a dor e o sofrimento são uma espécie de purificação e que os deveremos considerar como alertas, um presente e não como um castigo de Deus. Com a dor, refugiamo-nos em Allah, pedimos perdão e somos mais humildes. Assim no dia do Juízo Final, o fardo dos nossos pecados será menor. Abdullah (Radiyalahu an-hu) referiu: “Eu visitei o Profeta (Salalahu Aleihi Wassalam) durante a sua doença e ele sofria de febre altíssima. Eu disse: Ó Apostolo de Allah! Tu estás com uma febre elevada. Ele respondeu: “Sim. Eu tenho tanta febre, como duas pessoas como tu possam ter”. Eu disse: “Por isso que obterás uma dupla recompensa?”. O Profeta respondeu: “Sim, qualquer crente que seja afligido por qualquer dano, causado por doença ou por qualquer outro inconveniente, Deus irá remover os seus pecados, como uma árvore que perde as suas folhas”. Bukhari 70:564. Está clinicamente provado de que, os que têm fé em Allah e na Vida Futura, suportam melhor a dor, o sofrimento e a doença. Encontram em Deus, o bálsamo necessário para que a tranquilidade do espírito, atenue a dor do corpo. “Procurai o auxílio (de Allah) na paciência (Sabr) e na oração: na verdade isto é difícil, excepto para os que têm um espírito humilde”. Cur’ane 2: 45.
Jabir Ibn Abdullah (Radiyalahu an-hu), referiu que o Profeta (Salalahu Aleihi Wassalam) disse: “No Dia da Ressurreição, quando as pessoas que sofreram aflições e lhes for dadas as recompensas, os que foram saudáveis, desejarão terem sido cortados com tesouras quando se encontravam no mundo”. Tirmidhi.
Outro aspecto que devemos considerar, é que Allah provoca a dor e o sofrimento aos seus servos, para lhes testar a fé, ou de alertar àqueles que não acreditam Nele. Sorte daqueles que ao serem testados, se mantêm firmes, aguardando pacientemente a ajuda de Deus. Outros ficam impacientes, aguardando a ajuda de Allah, que dizem tardar, acabando por rejeitar a vontade de Allah e perderem a fé. Abu Huraira (Radiyalahu an-hu) referiu que o Profeta (Salalahu Aleihi wassalamo) disse: “A súplica de cada um de vós é concedida por Allah, se não mostrarem impaciência, dizendo: “Eu supliquei a Allah, mas o pedido não me foi concedido”. Bukhari 75: 352.
Para aliviarmos a dor física, devemos recitar os 3 últimos capítulos do Cur’ane (Kul Hu Allahu Ahado, Kul an unzo bira bil falaq e Kul an unzo birabinass) e soprarmos sobre o nosso corpo. Caso um doente não o consiga fazer, então alguém que o faça e sopre sobre ele. Maliks Muwatta.50.4.10.
Para terminar esta mensagem, uma advertência de Hasan Al-Basri (que Allah esteja satisfeito com ele): “Não detestes as desgraças que te acontecem; o que detestas, pode ser a causa da tua salvação e o que gostas, pode ser a causa da tua ruína”.
“….Ó nosso Senhor! Não nos condenes se esquecermos ou errarmos…. Ó nosso Senhor! Não nos imponhas o que não temos forças para suportar. E tolera-nos, perdoa-nos e tem misericórdia de nós….” AMIN. Cur’ane – Surat Al Baqarah. 286
“Rabaná ghfirli waliwa lidaiá wa lilmu-minina yau ma yakumul hisab”. “Ó Senhor nosso, no Dia da Prestação de Contas, perdoa-me a mim, aos meus pais e aos crentes”. Cur’ane 14:41.
“Wa ma alaina il lal balá gul mubin” “E não nos cabe mais do que transmitir claramente a mensagem”. Surat Yácin 3:17. “Wa Áhiro da wuahum anil hamdulillahi Rabil ãlamine”. E a conclusão das suas preces será: Louvado seja Deus, Senhor do Universo!”. 10.10.
Abdul Rehman Mangá